Moro a uma quadra de um arroio e a sete quadras de um grande rio. Se faltar água nas minhas torneiras, não posso ir até uma dessas fontes naturais e beber ou me banhar (um direito constitucional).
A cidade desconsidera, na sua construção, o corpo.
O rio é a força natural mais poderosa que atravessa a cidade todos os dias. Todo o dia é novo e inacessível, porém presente, raramente visto, pouco procurado, inativo culturalmente. A cultura em torno do rio nos daria o sentimento de pertencimento necessário para lutar por ele.
Porém, mesmo moribundo, o rio é parte da cidade, a reflete e ainda é belo. Há martins pescadores que capturam peixes com 3 olhos, animais silvestres exploram o território urbano, e toda ficção é possível.
A cidade hostiliza o meio e automaticamente hostiliza o corpo. As pequenas cidades seguem crescendo e cometendo todos os mesmos erros das grandes cidades: todos os dias as águas do rio nascem puras e passam agonizantes por aqui.
A cidade desconsidera o “ser” e seu desenvolvimento pleno. Estou com os pedagogos que dizem que se uma cidade não for boa pra o desenvolvimento de todo potencial de uma criança, ela não serve pra nada.
Se meu território escolhido é a cidade, devo moldar meu território com ações e ritos que pervertam a lógica de ocupação.
A quarentena/isolamento me fez percorrer lugares inéditos da cidade em que vivo há anos. Isolado, conheci mais do meu território, o que me fez pensar que quando as pessoas da minha cidade pensam em usufruir a natureza, elas pensam em sair da cidade. Porém temos um rio, mas nenhum balneário. A utopia habita as margens.
O lugar em que estou - que habito - é um exemplo representativo de como as cidades podem ignorar a força natural mais poderosa que a cruza e o quanto isso já se tornou hostil, perigoso e nocivo à vida do cidadão. O Rio é Cidade talvez seja sobre redesenhar a cidade a partir de seu desenho natural.
Sergio Rodriguez
Artista