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Grão da memória: uma abordagem de tempos e espaços através do trânsito e do isolamento

Por Maria do Carmo de Freitas Veneroso*, curadora

Nesta exposição, Taila Idzi apresenta um corpo de trabalhos desenvolvidos nos últimos cinco anos, que remetem a dois espaços-tempos nomeados pela artista como Tempo de Trânsito e Tempo do Isolamento,  apresentados em duas séries de gravuras intituladas Palavra mordente e Melancolia Luminosa, apresentando dois momentos, aquele do movimento constante e o da introspecção. O título da exposição, “Grão da memória”, remete, em um primeiro nível, à técnica escolhida pela artista para se expressar - a gravura em metal. Nesse processo, o grão está presente, como material, no breu em pó, resina utilizada para produzir uma granulação na chapa de metal, através de uma técnica tradicional da gravura, a água tinta. Um segundo nível de significado de “grão”, nesse trabalho, refere-se ao grão da fotografia, que é o que possibilita a obtenção de gradações de cinza na fotografia analógica e que é substituído pelo pixel, na fotografia digital. Grão remete a uma unidade indivisível, à menor porção, por exemplo, de cereais como o arroz e o feijão. Pode-se pensar, pois, no grão como uma unidade, levando ao grão do tempo, ao grão da memória, através do grão da imagem

Palavra Mordente é composta por poemas visuais escritos pela artista nos seus trajetos pela cidade e trata de cenas do cotidiano doméstico, de encontros e desencontros, e de comentários sobre o mundo, em versos contendo jogos de palavras, que dialogam com imagens de uma forma lúdica e com um humor leve e despretensioso. O título da série Palavra Mordente também remete às técnicas de gravura em metal utilizadas na sua fatura, pois mordente remete aos ácidos utilizados, que “mordem” a chapa, gravando nelas as imagens e palavras. Ao mesmo tempo, “mordente” significa também aquilo que morde, no sentido de ferir, arranhar, sendo sinônimo ainda de provocador, satírico. Esses duplos sentidos são explorados por Taila nos seus poemas visuais, levando a vários níveis de leitura dos mesmos, através de diferentes camadas de significação, em um processo sutilmente engendrado pela artista. 

Em 2018, Taila ingressou no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, e desde então tenho acompanhado de perto seu trabalho, como orientadora e interlocutora. Um dos traços principais da personalidade de Taila é a afetividade, que ela deixa transbordar nas suas ações e relações. A energia e a paixão com que ela encara sua produção artística/poética, teórica e docente é impressionante, assim como a maneira como ela concilia essas instâncias. O trânsito marcou sua trajetória durante o primeiro ano do doutorado, de 2018 a 2019, quando ela se deslocava semanalmente de Porto Alegre a Belo Horizonte, onde estuda, e também entre Porto Alegre e Sapucaia do Sul, onde lecionava. Nas palavras da artista, esses deslocamentos constantes a fizeram lançar um novo olhar sobre a cidade onde vive, Porto Alegre, e também levaram-na construir novas relações e afetividades. Nesse período de deslocamentos constantes, ela reuniu uma série de fotografias apresentando seus trajetos, e que são a matéria prima utilizada na série de fotogravuras intitulada Melancolia Luminosa, apresentadas pela primeira nesta exposição. Trata-se de imagens de trânsito e de passagem, fotografadas das janelas do carro, do avião, do ônibus, mostrando paisagens e não-lugares, como os aeroportos, impressas em preto e branco. A melancolia está presente nessas imagens, trazida com a despedida da casa e uma melancolia luminosa, com a volta para a casa.

As fotogravuras foram realizadas num momento de recolhimento na casa/ateliê, “assentando as ideias acerca das escritas e imagens produzidas no trânsito e que teve um aprofundamento de sentido durante a pandemia global da Covid-19”, nas palavras da artista, que reflete, nesse momento, “acerca das diferentes formas de vivenciar esses tempos e espaços”. A exposição das gravuras, nesse momento, marca mais uma etapa do trabalho de Taila, que através de uma abordagem sensível e pessoal, elabora a sua leitura e seus comentários sobre o mundo que a cerca.

*Artista, pesquisadora, Professora Titular da Escola de Belas Artes da UFMG, onde atua no Programa de Pós-Graduação em Artes. Desenvolve pesquisas em arte moderna e contemporânea, abordando experiências interartes com foco nas relações palavra/imagem; gravura e arte impressa; coleção, arquivo e memória. Publica livros e artigos sobre suas pesquisas em revistas acadêmicas nacionais e internacionais. Tem exposto seu trabalho no Brasil e exterior.