Por Nicolas Beidacki
Curador
Poucas coisas sobrevivem ao esquecimento. Objetos familiares, lembranças cotidianas, lugares da infância, períodos inteiros de uma vida podem, com o jogo inconstante e inesperado do tempo, acabar sendo deixados para trás, perdidos no labirinto da memória. O comum é uma passagem rápida e frágil entre os muitos elementos simbólicos que dão à vida a condição de efêmera. O todo é incapaz de ser armazenado, haverá sempre o que será perdido. Talvez pequenos índices sejam capazes de nos causar o sentimento de que não perdemos por completo nosso acúmulo de recordações. E sobre esses índices nos debruçamos, olhamos uma fotografia e vemos um tempo, visitamos uma casa e assistimos nossas infantilidades de criança, nossas brincadeiras que já não sabemos mais brincar, chegamos num determinado lugar e recordamos de pessoas. Os índices – nas suas variadas potências – nos trazem, como um ímã das sensações perdidas, aquilo que caminhava muito próximo dos abismos da memória. E é possível que o trabalho de Leonardo Lopes, ou a própria tarefa de um artista, opere esses momentos de quem tenta jogar contra os muitos apagamentos que a vida impõe.
Seus objetos do comum, seu olhar sobre a banalidade, sobre aquilo que foi abandonado, lançado ao fim material recebe, a partir da própria operação da materialidade, que são os restos queimados de um sofá, restos queimados de uma cadeira, ou partes daquilo que foi descartado em meio urbano, uma qualificação para objeto simbólico. Ainda que algo seja descartável no mundo do comum, o artista encontra um lugar do permanente. As suas caminhadas em busca de objetos, suas fotografias, que são mais tarde projetadas em seu ateliê para se transformarem em desenhos, sua estante pessoal (repleta de restos queimados), seu acervo de imagens de uma geografia que também luta contra o apagamento, formam um elo entre aquilo que pertence ao vazio e aquilo que pertence ao campo das magnitudes, algo que só pode ser apreendido pelo olhar sensível. É a sensibilidade que nos impede do próprio esquecimento. Olhar e ver, olhar outra vez tudo aquilo que nos encontra na simplicidade da existência. Dar fôlego e tempo ao que ainda abre confrontos para ser percebido num mundo que não cessa de nos demandar atenção, um mundo em que tudo, o tempo inteiro, tenta existir um pouco mais.
Tudo que é comum tende a desaparecer
Desenhos de Leonardo Lopes
Curadoria de Nicolas Beidacki
Coquetel de abertura na quinta-feira, dia 09/11, das 19 às 22h.
Visitação de 9/11 a 9/12 de 2023